segunda-feira, 9 de novembro de 2015


Os Disquinhos de Ossos!


Essa é a história dos "roentgenizdat", como eram conhecidos os discos confeccionados em chapas usadas de Raios-X, ou "roentgen ray". Numa tentativa de agradar os soldados e oferecer um serviço social que amenizasse a separação das famílias durante a 2ª Guerra Mundial, os americanos colocaram máquinas para os soldados gravarem discos, compactos de 78rpm, os V Discs.


Eram umas cabines automáticas, onde se colocava uma moeda ou ficha, tinha um microfone onde a pessoa podia gravar uma mensagem de voz para seus parentes em um registro flexível; eram encontradas em salões de fotografia e a pessoa gravava uma mensagem. Essa máquina riscava os sulcos e o disco saia prontinho pra ser tocado em qualquer vitrola. na velocidade de 78 rpms. A máquina para fazer estas gravações foi originalmente concebida para fazer "cartões postais de som", que eram uns disquinhos flexíveis, para economizar material, e leve, para serem enviados pelo correio.


Depois da Grande Guerra, muitas dessas máquinas ficaram na Europa e foram levadas para a Rússia. Nos anos 50 eles queriam discos de jazz e quando conseguiam um disco, gravavam o som em um desses disquinhos. No início de 1950, o rock-n-roll americano começou a se infiltrar na culturalmente isolada União Soviética e seus países satélites... E, claro, foi prontamente proibido. Mas os russos também queriam também ouvir Chuck Berry e Elvis, depois seguidos pelos Beatles e Stones.


Devido à falta de gravações da música ocidental disponíveis na URSS, as pessoas tinham de contar com discos contrabandeados através da Europa Oriental, onde o controle sobre esse material era menos rigoroso. Ou por marinheiros suecos e finlandeses chegando aos portos de Riga e Leningrado. Tais restrições significava que o número de gravações permaneceria pequena e preciosa. Mesmo assim essa música nova encontrou o seu caminho para as ruas através de um pouco de ingenuidade combinada que estava disponível no momento.


Fabricantes de gravações underground, que eram conhecidas como "roentgenizdat", usavam gravadores amadores como o Voice-O-Graph, de cabine, que era útil e com baixo custo, para gravar sulcos em discos virgens de vinil. Uns caras até esconderam algumas máquinas sem as cabines. Mas aí acabou o material. Até que um residente de medicina, um dia, tentou usar uma chapa usada de Raio-X e deu certo, isso foi uma revolução na pirataria por lá. Os raios-x deformavam facilmente, não eram tão bons como um disco real, mas eles gravavam um sulco bom o suficiente para valer a pena o dinheiro um dia de almoço e o risco de prisão só para experimentar um pouco da música dos EUA.  Estes álbuns foram vendidos como bootlegs, às escondidas, nos mercados e através de amigos de um amigo, em quantidades inumeráveis. O processo acabou morrendo com a chegada dos gravadores de fita magnética, mas esses álbuns ao vivo continuam nas mãos de colecionadores particulares. Valem fortunas.


Eu não sei o nome do inventor que usou chapas de raio-X como material de base para discos, mas esse método tornou-se tão difundido na Hungria, que a Rádio Nacional Húngara fez gravações de som em chapas como parte de um projeto. Um disquinho, que só era gravado de um lado, custava cerca de 1 rublo cada no mercado negro, mas durava apenas alguns meses, ao contrário dos 5 rublos para um disco de vinil de dois lados. O custo do registro era o mesmo garrafinha de vodka de 250ml, a mesma quantia do "dinheiro do almoço", dado aos maridos por suas esposas econômicas (na Rússia, as mulheres geralmente controlavam o orçamento familiar). Assim, o disquinho poderia ser comprado pulando um almoço ou deixando de comprar uma bebida por dia. Cerca de 3.000.000 desses registros altamente ilegais foram distribuídos clandestinamente na URSS até 1958 (sem o nome do artista ou o título da canção do disco, apenas um número riscado) antes da KGB perceber o que eram. No final dos anos 50, o governo já sabia dos roentgenizdats, e tornou tudo ilegal em 1958. Funcionários de segurança tomaram medidas para acabar com o maior cartel em 1959, enviando os líderes para a prisão, a partir de uma organização pela Komsomol de "patrulhas música" que mais tarde se comprometeu a reduzir a atividade ilegal de música em todo o país. Mesmo assim continuaram a ser produzidos na década de 60.


Jovens em Leningrado foram presos por fazê-los, e enviados para o Gulag por sete anos. É preciso entender que a música ocidental era considerada uma grande ameaça para a KGB. O Rock foi proibido na URSS, banido de todos os meios de comunicação e imprensa até 1986. O Rock era proibido até de ser pronunciado, assim com cantar qualquer canção em inglês.

O que acabou com essa engenhosa indústria, não foi o governo soviético e sua opressão, mas o surgimento de fitas magnéticas, os gravadores de rôlo. Já nos anos 70 as fitas cassete chegaram e se tornaram o BitTorrent daquele momento.

 

 

Dos Entendimentos & Compreensões de

Sérgio AVELLAR - Profissional Multimídia.

Comunicólogo com doutorado em "Master en Publicidad" pela Universidad de Barcelona, onde se aprofundou sua tese sobre a "Cultura de Massas e a Perda das Identidades".

Autor e mantenedor da Rádio RockPuro, um formato exclusivo.

avellar@rockpuro.net

Release: http://rockpuro.net/sergioavellar.html

 

 

 

Obs.: Todas as obras publicadas na Sala de Protheus

são de inteira responsabilidade de seus autores.

O Editor!

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