sexta-feira, 27 de novembro de 2015


Não Chores por Mim, Mariana...


“...Nesta vida, somos apenas hóspedes, aguardando
a última moradia. Cabe a cada um, ter a sabedoria de escolher o melhor lugar. E, o melhor lugar do mundo é aos pés do Salvador...!”


Zinah Alexandrino

Sempre disse, que ainda que paulistano de nascimento tenho em Minas Gerais, minha segunda terra natal e isso porque foi lá, que viajando por todo seu território, comecei a conhecer o “interior brasileiro”. Foi lá também que me tornei “homem”, por obra e graça da “mulher mineira”, que me introduziu nos “mistérios do amor”. Entretanto, gostaria de contar uma breve historieta da minha passagem por lá. Nos idos de 1975 conheci o casal Ricardo Wagner e Elidia, meus vizinhos em Belo Horizonte. Wagner era de Abaeté as margens do São Francisco e Elidia de Senhora do Porto na vertente que dividia as bacias do Rio das Velhas e Rio Doce. Eles tinham um sitio em Afonso Arinos, no Município de Brumadinho, entre a linha do trem que transportava minério de Aguas Claras, (região de Belo Horizonte) e Ibirité, (região de Brumadinho), para o Rio de Janeiro e o Rio Paraopeba, que foi minha introdução à vida rural mineira. Para que vocês tenham uma ideia a Bacia do Paraopeba possui 12.045 km2 de extensão, o que corresponde a 2,5% do estado de Minas, nascendo próximo de Conselheiro Lafaiete e desaguando no Lago de Três Marias. O Rio Paraopeba corria pela mais importante área de mineração de ferro de Minas Gerais, (isso foi antes do evento de Carajás) e por isso constantemente de águas avermelhadas. Nessa época o minério era lavado diretamente nas águas do rio, sem “barragens de resíduos” e assim carregava em suas águas toda a contaminação de barro, além dos minérios associados. A própria Samarco na época já tinha uma mineração na Serra do Ibirité, (divisa de Contagem, Betim, Belo Horizonte com Sarzedo e Brumadinho) e lavava seu minério diretamente no Ribeirão Ibirité, que também desagua no Paraopeba. Durante quase dois anos nossas idas ao sítio eram quase semanais e uma das atividades era pescar. Sempre nos surpreendíamos, que daquelas águas tão poluídas regularmente pescássemos bons mandis, curimbatás e até surubis. O rio que era um dos mais piscosos até o início do ciclo de mineração, resistia e a sua fauna teimava em se adaptar e reproduzir. Caçávamos também regularmente capivaras, que jamais deixaram de habitar suas margens e leito.Foi a partir do Paraopeba, que Wagner me introduziu em toda bacia do Rio São Francisco, incluindo o Rio das Velhas, Jequitai, Paracatu, Prata, Urucuia e Carinhanha e o lago de Três Marias. Foi ele também quem me apresentou a Bacia do Rio Doce, que na época não tinha na sua bacia, ainda importantes, áreas mineradoras, mas que irrigava o Vale do Aço e antes dele toda região de João Monlevade e Itabira onde estavam às siderúrgicas, que evidentemente se serviam das suas águas. As minhas andanças por Minas Gerais, que foram muitas, já há 40 anos, mostrava o “total desprezo” pela natureza. Uma coisa que sempre me assustou em Minas foi o total desprezo pela proteção dos mananciais, seja pela desproteção das nascentes, seja pela eliminação da mata ciliar em todos os rios, indistintamente.  No próprio Cerrado, a exploração do carvão para as siderúrgicas em Contagem, a devastação era geral pela instalação das carvoeiras, eliminando até mesmo a proteção das “veredas” e sua vegetação de “buritis”, que protegiam seus “olhos d’água”, (nascentes de regatos do cerrado), que sempre representaram a sobrevivência da fauna e flora. Foi pela guia do “sertanista mineiro”, meu amigo Paulo Auler, que constatei o mesmo no Cerrado do Noroeste Mineiro em João Pinheiro e arredores na Bacia do Rio Paracatu. Assim como em conhecer os primeiros projetos de irrigação da CODEVASF em Pirapora – MG e o Projeto do Rio Jaíba com as águas do Velho Chico, que recebeu na época investimento recorde de US$ 1 bilhão do Governo Japonês. Amigos, não narro os tempos atuais. Narro o que vi há 40 anos lá atrás. Desolação. Mais recentemente tive a oportunidade de sobrevoar o Velho Chico em Barra, no interior da Bahia e a visão do assoreamento do rio era impressionante, bem como das suas margens totalmente desmatadas. Viajei também pelo Cerrado Mineiro na região de Patos de Minas e ali a visão dos projetos irrigados com águas do Rio Grande dominava a paisagem. Na verdade, com a abertura da Frente Agrícola no Cerrado com projetos irrigados, que vão desde o Estado de Minas Gerais até o Sul do Piauí cobrindo vários milhões de quilômetros quadrados, nos traz a memória a pujança da agricultura do meio oeste americano, com sua riqueza e ao mesmo tempo seus problemas. Por lá o Rio Colorado não consegue mais chegar ao mar, além de que muitas áreas não mais irrigáveis tendem à desertificação. O que acontecerá com o Velho Chico com tantos projetos de irrigação e sua transposição?Alguém, algum dia, calculou os “ganhos e perdas” dessa intensa exploração de terras e rios? Aprendemos alguma coisa como exemplo americano, ou até mesmo com a tragédia do Mar de Aral na Rússia, que simplesmente desapareceu com a exploração predatória da agricultura? Enquanto isso, vamos por aqui chorando pelo desastre anunciado de Mariana. Tão somente porque é o desastre de hoje. Não tenho a menor dúvida que em poucos meses as águas do Rio Doce estarão correndo limpas até a sua foz, a menos que grandes inundações aconteçam em sua bacia e que irão arrastar mais lama pelo seu curso. Assim como ninguém responsavelmente poderá calcular esse impacto em extensão e tempo. Até que ponto esses detritos são tão contaminantes? O Rio Paraopeba sempre chegou com águas cristalinas no Lago de Três Marias. É da tarefa da Natureza, com o filtro natural das suas cachoeiras, assim como faz até com o Rio Tietê em São Paulo, correndo a 150 quilômetros da Capital.Conheço muito bem toda a costa do Rio de Janeiro e Espírito Santo e já há muito tempo todas essas “fozes de rios” tem muito pouca vida e mangues. Para se tiver uma ideia o caranguejo que se come no Nordeste hoje vem de Piauí e Maranhão, pois os manguezais foram devastados por toda a costa. Nossos rios há muito tempo carregam outros tipos de contaminação por poluição industrial e nisso se inclui o Rio Doce. A questão é, o que estamos fazendo para não destruir nossos recursos tão generosamente dados pela Natureza? Vamos seguir o exemplo da China? Enquanto isso não chore por Mariana, mas por tudo o que não se faz por todos os rios e “marianas” de todo o Brasil.

 
Das Percepções & Pensamentos Partilhados
Antônio Figueiredo - Escritor & Cronista -
São Paulo – SP -

 

Obs.:
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O Editor!

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